domingo, 14 de junho de 2009

Bolsas, Sacos e Sacolas



PESQUISADO POR RAFAEL CRUZ

Como todo garoto, olhava para o mundo dos adultos e sonhava em ser grande. Isso lá pelo ano de 1971, ou seria 72? Nessa época, a imagem de adulto que projetava não era a do pai, como seria razoável supor, muito menos a do avô, pois avôs pertencem a um mundo sempre muito distante aos olhos de uma criança, são de uma realidade imponderável. Não, não era nem de um nem de outro, sua mira estava voltada para os jovens cabeludos que revolucionavam os costumes da época.
Quando passeava de carro com seus pais pelas ruas do centro da cidade, ficava ajoelhado no banco de trás, observando atentamente o movimento pela janela. Via aquela rapaziada alegre - que sua mãe designava genericamente como hippies - reunida nas esquinas, exibindo cabeleiras, roupas e acessórios exóticos, e seus olhos brilhavam, parecia-lhe um futuro bastante promissor. Além dos cabelos, o que mais lhe chamava a atenção eram as bolsas de couro que eles usavam, principalmente as franjadas. Levavam-nas penduradas de atravessado, com a tira comprida e larga cruzando o peito como um cinto cartucheira. Passou a sonhar com uma delas e, lá do seu jeito, a lutar por uma. E não foi fácil convencer os pais, sim, porque naqueles tempos, diferentemente de hoje em dia, ainda não se almejava fazer dos filhos modelos fiéis dos ditames da moda, pelo contrário, predominava o conservadorismo, a resistência - fomos de um extremo ao outro numa velocidade impressionante. O fato foi que, num belo dia, o garoto recebeu de presente sua tão almejada bolsa de couro. Pendurou-a de imediato, admirou-se longamente diante do espelho e circulou com ela pelo quintal de sua casa. Resolveu, então, ir para a rua exibir-se. Foi quando a vizinha, que estava achando muito bonitinho ver aquele menino andando com uma bolsa a tiracolo, resolveu perguntar: “e o que é que você traz aí dentro?”
Caramba, ele não tinha pensado nisso! Ficou sem graça e voltou correndo para casa, precisava urgentemente encher a bolsa com alguma coisa: estilingue, bolinhas de gude, carrinhos, figurinhas... com pedras, que fosse. Começava ali sua passagem para o mundo dos adultos.
E, ao se falar em bolsas, é quase impossível não lembrarmos do universo feminino, a associação é imediata. Observar o comportamento das mulheres com relação às bolsas é extremamente curioso, elas parecem inseparáveis, como se esse acessório fizesse parte de seus corpos, como um braço ou uma perna. Uma mulher, caminhando fora de casa, sem sua bolsa dependurada no ombro é uma cena bastante improvável. Mesmo que seja daqui até ali, a bolsa vai junto. E ela é tão importante que influencia até nas principais escolhas da alma feminina, inclusive na mais essencial de todas, a do sapato. Uma bolsa jamais será desconsiderada por uma mulher no momento de comprar um calçado. “Será que esta sandália combina com aquela bolsa?” Definitivamente, bolsas e sapatos caminham juntos, mas não vamos nos deter nessa particularidade, porque sapatos são um capítulo à parte, eu precisaria de muito mais linhas para escrever sobre isso do que as que tenho disponíveis.
A relevância das bolsas na vida da mulher moderna é uma constatação trivial, até os encostos das cadeiras dos bares, lanchonetes e restaurantes, de proprietários um pouquinho mais atentos e conscientes das necessidades de suas clientes, já são preparados para segurar adequadamente as inseparáveis companheiras.
E o que elas têm dentro? Ainda é mais improvável saber. Certa vez, uma amiga sacou do interior de sua bolsa uma latinha de cola de sapateiro e, antes que eu inferisse algo, foi logo explicando que era para o caso de descolar o saltinho de borracha, “porque, um dia, ele descolou no meio da rua e...”, enfim, era para emergências. Resumidamente, poderia se dizer que na bolsa de uma mulher tem de tudo.
Não gostaria de julgar valores, mas, pelo pouco que tenho observado, a maior parte desse tudo parece ser absolutamente desnecessária. Mas, ao que tudo indica, se temos uma bolsa, é preciso pôr alguma coisa dentro dela.
Para não parecer machista - apesar de já estar parecendo - e não ser tão previsível, analisando o uso das pastas executivas pelos homens, que seria o paralelo imediato das bolsas femininas, consideremos agora as maravilhosas agendas eletrônicas ou, modernizando a nomenclatura, os “Palm Tops”, que tanto deslumbram o sexo masculino. Não dá nem para imaginar a quantidade de inutilidades que se pode colocar num aparelhinho desses. Mas ele faz coisas tão fantásticas, marca compromissos, armazena textos enormes, planilhas, joguinhos, recebe mensagens eletrônicas através do telefone, troca informações com o computador, como deixá-lo vazio? Seria um desperdício. Assim, gastamos um tempo enorme tentando achar utilidade para a tal maquininha.
Se pararmos para analisar, chega a ser difícil de acreditar. Não temos nada para carregar, mas cismamos que temos de usar uma bolsa e depois nos esforçamos em encontrar badulaques para enchê-la, bugigangas que, depois de um tempo, começam a parecer indispensáveis. A esmagadora maioria de nós não tem nada para lembrar que sua própria cabeça ou, no máximo, um bloquinho de papel não possa armazenar – e as pessoas que não se encaixam nessa realidade deveriam urgentemente repensar suas vidas -, no entanto, nos encantamos com tranqueiras eletrônicas que se tornam imprescindíveis às nossas mentes insanas.
Claro que nada disso é regra, existem casos e casos, uma bolsa pode ser apenas uma bolsa e uma agenda eletrônica pode ser apenas um brinquedinho divertido. O que foi dito serve apenas para ilustrar o fato inquestionável de que, conforme vamos nos tornando adultos, vamos nos aperfeiçoando na arte de complicar as coisas.
E o que fazemos com nós mesmos? Não é exatamente igual? Nos comportamos como se fôssemos nossas próprias sacolas. Simplesmente não sabemos nos carregar vazios. Temos uma dificuldade incrível em viver sem uma “preocupaçãozinha”. A pessoa acorda de manhã e logo pensa com o que vai se preocupar naquele dia, e, se demora para descobrir, preocupa-se com o fato de não ter nada para se preocupar. E pobre daquele que tenta sair de casa leve, sem nada a lhe pesar nos ombros, logo vem alguém, através de olhares e palavras disfarçadamente inocentes, fazer o papel que a vizinha fez com o garoto: “ei, você aí, não vai carregar nada na sua sacola?!” Assim, o delicioso vazio não consegue persistir durante muito tempo, o diligente sentimento de culpa vem preencher o espaço.
Por que não podemos simplesmente viver a vida? Não deveríamos começar a reaprender a caminhar com as mãos e mentes vazias? Talvez fosse hora de esvaziarmos nossas sacolas, fazer como o garoto, que queria simplesmente divertir-se com uma bolsa de couro, sem necessariamente ter de colocar algo dentro para carregar; realizarmos o que os jovens cabeludos talvez estivessem querendo; pararmos de andar com o saco tão cheio.
Ou ainda, melhor do que isso, nos enxergarmos não como um saco, que transforma em peso as experiências vividas, mas como o leito de um rio, pelo qual as novas experiências podem passar.

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