segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

''Hamlet e a vida longe do Blackberry''

Por Edição Robson Viturino com Álvaro Oppermann
Por Edição Robson Viturino com Álvaro Oppermann
Ilustração Manuela Eichner

O jornalista William Powers, do Washington Post, conta que estava na calçada junto a um semáforo na Times Square, Nova York, esperando para atravessar a rua. De repente, deu-se conta de que todos os oito transeuntes ao seu lado executavam uma mesma tarefa: checavam atentamente seus respectivos smartphones. Alguns digitavam freneticamente, aproveitando com sofreguidão cada segundo. “Estamos sempre online. Em qualquer lugar. Isso pode ser uma benção, mas também uma maldição”, diz Powers. Há horas em que seria melhor dar férias ao laptop, desligar o celular, ou deixar o iPad de lado. Mas como fazer isso sem cair no ostracismo digital?

Conectar-se ou desconectar-se – eis a questão. É interessante que tal questão seja formulada por Powers, um dos papas da tecnologia na mídia norte-americana. Em Hamlet’s BlackBerry (“O BlackBerry de Hamlet”, inédito em português), ele buscou auxílio em autores do panteão literário e filosófico universal para dar cabo à ingrata tarefa. “De um lado, nós temos a necessidade de nos conectar com o mundo exterior. De outro, também necessitamos de tempo e espaço para nós mesmos. A chave é buscar equilíbrio entre as duas coisas”, afirma Powers.

Algumas joias do seu guia para lidar com a tecnologia:

Sócrates e a tecla off_O filósofo Sócrates recomendava aos alunos que tirassem um dia livre para passear nos arredores de Atenas, longe da multidão e do burburinho, deixando de lado suas ocupações e afazeres mundanos. O conselho continua válido, mas tem de ser adaptado, segundo Powers. Em vez de um dia inteiro – luxo impensável à maioria hoje em dia –, meia hora é o suficiente. Powers aconselha deixar o celular desligado por 30 minutos e relaxar. E ele parece seguir o que diz. Em 2006, trocou a capital, Washington, pela bucólica Cape Cod, cidadezinha costeira no estado de Massachusetts, e se livrou do vício dos gadgets (ele não conseguia passar dois minutos sem checar e-mails e mensagens no smartphone).

Sêneca e o Facebook_O filósofo latino Lucius Sêneca viveu em Roma, no século I d.C., o mesmo que os usuários do Facebook e LinkedIn: o excesso de conexões e relacionamentos. O drama de Sêneca chegou a lhe custar problemas de saúde por causa dos excessos de sua vida social. Depois de um colapso nervoso (ou burn-out, para usar um termo atual), ele desenvolveu a teoria do “espaço interior”: concentre-se no que realmente tem importância em seu momento de vida. Se você tentar se conectar com todos à sua volta, perderá a conexão íntima consigo mesmo. A família de Powers viveu este drama. Ele, a esposa e os filhos passavam mais tempo no Facebook do que convivendo entre si. De comum acordo, limitaram o uso da rede social em casa.

Benjamin Franklin e o e-mail_Ele desenvolveu o que chamava de “rituais positivos” para se livrar de maus hábitos. Um deles era acordar antes da aurora (aliás, é o autor da famosa frase “Deus ajuda quem cedo madruga”). Powers, quando se mudou com a família para Cape Cod, instituiu o “fim de semana desplugado”. De sábado pela manhã até o domingo à noite, ele, a esposa e os filhos desligavam smartphones e laptops. “É uma sensação revigorante passar dois dias sem tecnologia, e os efeitos disso perduram bastante tempo, durante a semana”, diz ele. Segundo o autor, muitas empresas que adotaram políticas parecidas, como a da “sexta-feira sem e-mails”, tornaram-se mais produtivas no resto da semana.

Shakespeare e o iPad_Powers nota que Hamlet, o príncipe da Dinamarca, usa o equivalente ao iPad do seu tempo (uma tábua feita de lousa) para escrever seus pensamentos e anotar os acontecimentos à sua volta, como a visita do fantasma do seu pai. Era a “tábua da memória”, na linguagem poética shakespeareana. “O ato de anotar tirava o pensamento de sua dimensão etérea, colocando-o na esfera material da prancheta”, diz Powers. A tábua da memória definia Hamlet, como o iPad nos define hoje em dia. O gadget não é ruim em si, mas por causa do uso que fazemos dele. “Se Hamlet tivesse um BlackBerry, provavelmente o usaria com parcimônia”, afirma o jornalista.

William Powers – É formado em Harvard e, nos últimos anos, tem publicado artigos e livros sobre como as pessoas podem se utilizar das tecnologias sem virar refém delas. Já colaborou com The Atlantic, The New York Times, The Los Angeles Times e The Guardian

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

"Não jogue veneno no sangue" por CRISTIANE SEGATTO

Nesta semana, lembrei de uma frase que ouvi do paulistano Luiz Carlos de Oliveira há alguns anos. Em 2001, ele era um faz-tudo numa produtora de comerciais de TV: escolhia os objetos usados nas filmagens, selecionava o elenco, dirigia as cenas. Nos momentos de tensão, lançava um bordão inconfundível: "Calma, não jogue veneno no sangue". Tentava chamar atenção para o fato de que o stress é um veneno. Um veneno mortal.

Esse conselho pode parecer o mais surrado dos tópicos de autoajuda. Vindo de quem veio, porém, adquiriu para mim outro significado. Quando o entrevistei, Luiz era a história viva da aids. Era um caso singularíssimo. Infectado no início dos anos 80, um tempo em que a doença matava em questão de meses, Luiz sobreviveu a inúmeras crises e às mais chocantes demonstrações de preconceito que os primeiros doentes enfrentaram.

Sem trabalho, perambulou pelas ruas e encarou a morte várias vezes. A incrível história desse sobrevivente você pode ler aqui. Não tenho notícias recentes dele, mas espero que continue por aí, repetindo seu bordão aos quatro ventos.

Não é difícil imaginar quantas situações estressantes Luiz enfrentou em décadas de convivência com o HIV e, principalmente, em décadas de convivência com a sociedade alarmada pelo HIV. Foi capaz de sobreviver a tudo. Nas horas vagas, relaxava abraçando árvores no Parque do Ibirapuera. Acreditava que elas lhe emprestavam energia vital. Também praticava exercícios de alongamento concebidos pelos japoneses no pós-guerra. Não aceitava "jogar veneno no sangue" por mixaria.

A grande arte no controle do stress é saber identificar o que é mixaria. Superestimar a importância das pequenas chateações e dos pequenos acidentes de percurso faz a mente e o corpo sofrer. Nos últimos anos, surgiram várias evidências científicas capazes de indicar como o stress altera a fisiologia do organismo.

Li recentemente um estudo interessante, realizado pela equipe do psicólogo Andy Martens, da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, e publicado no Journal of Research in Personality. O trabalho procura apontar de que forma a autoestima e o stress afetam o coração.

Participaram da pesquisa 184 voluntários. Um grupo recebeu uma avaliação falsa sobre sua inteligência e sobre sua personalidade. O objetivo era elevar ou reduzir a autoestima dos participantes. Os voluntários do outro grupo anotaram, durante duas semanas, qual era a sensação deles em relação à própria autoestima. Se ela estava alta, baixa ou média.

Em seguida, os cientistas observaram a atividade do tônus vagal cardíaco de todos os participantes. Por meio da análise do tônus vagal é possível saber de que forma o sistema nervoso parassimpático influencia o coração.

Complicado, né? Calma que eu já traduzo: existem dois sistemas nervosos autônomos. O simpático e o parassimpático. Eles têm funções contrárias. O sistema simpático acelera demasiadamente as batidas do coração quando estamos diante de uma ameaça e precisamos fugir. O sistema parassimpático é aquele que reduz o ritmo cardíaco e nos ajuda a relaxar depois que o perigo já passou. Nas pessoas cronicamente estressadas, o sistema parassimpático não funciona bem. Ele fica hipoativo. Isso pode provocar doenças cardíacas e autoimunes.

Nos voluntários com autoestima mais elevada havia também mais atividade do tônus vagal cardíaco. Isso é um bom sinal. Indica que o sistema parassimpático funcionava bem. Segundo Martens, esse é o primeiro estudo que conseguiu mostrar que uma mudança na autoestima é capaz de produzir uma mudança fisiológica imediata. O trabalho é um passo a mais na tentativa de explicar as relações entre autoestima e saúde.

Para elevar a autoestima não basta tentar pensar positivamente. O mais importante, segundo os pesquisadores, é estar cercado por pessoas (amigos, parentes, chefes) que reforçam a nossa autoestima com comentários positivos.

Baixa autoestima não provoca apenas tristeza. É um sinal de que o corpo está sofrendo. Isso pode ter sérias implicações. Muitas vezes, a baixa autoestima produz stress crônico. Ele provoca uma descarga contínua e exagerada de adrenalina e noradrenalina que pode lesar o endotélio, a camada interior dos vasos e das artérias.

O endotélio é responsável pela produção de substâncias que protegem o coração, como o óxido nítrico. O stress repetitivo reduz a quantidade dessas substâncias. Os danos vão além: a degeneração das células do endotélio produz os temíveis ateromas (placas de gordura e tecido celular), que entopem as artérias. O resultado é um infarto ou um AVC.

Não são raros os pacientes que infartam e morrem por stress, apesar de ter todo o resto dentro dos conformes (colesterol baixo, dieta equilibrada, peso adequado etc). Se você não pretende morrer de raiva, é bom reavaliar de que forma lida com contrariedades.

Chefes sabotadores da autoestima da equipe existem aos montes. Nas piores e nas melhores empresas. Sabe-se lá por quais razões estão sempre prontos a estimular o subordinado a perder a fé em seu talento e em sua capacidade. Há mulheres, maridos, namorados e namoradas que também fazem isso. Só se sentem seguros se o parceiro perder a própria segurança.

É preciso saber filtrar essas mensagens ou, simplesmente, deixar essa gente falando sozinha. Gente assim pode roubar-lhe muito. Pode roubar o seu coração.

(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras.)

E você? Como lida com o stress? Acha que a autoestima pode mesmo afetar o coração? Como lida com um chefe ou com um parceiro sabotador? Conte pra gente. Queremos ouvir a sua opinião.
Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/ dia 27/10/2011